domingo, 10 de março de 2024

Fazer cumprir Abril

 Seja qual for o resultado dessas eleições, dúvidas não restarão que o eleitorado português se encontra visivelmente divido entre esquerda e direita, sendo ainda notório um crescimento significativo da extrema-direita personificada na imagem do Chega e do seu líder.

"No dia 10 de Março ficaremos a conhecer, quem é que a maioria dos portugueses escolheu para liderar o XXIV Governo Constitucional e quem são os deputados que assumirão funções na XVI legislatura na Terceira República portuguesa. Momento de particular importância para o país, a que acresce o facto simbólico de coincidir com o quinquagésimo aniversário do 25 de Abril de 1974.

Seja qual for o resultado dessas eleições, dúvidas não restarão que o eleitorado português se encontra visivelmente divido entre esquerda e direita, sendo ainda notório um crescimento significativo da extrema-direita personificada na imagem do Chega e do seu líder.

Tal realidade, decorrido que está meio século sobre a "revolução dos cravos", merece reflexão, até porque, como reconhecia no passado mês de Fevereiro o histórico socialista Manuel Alegre, por ocasião da antestreia do filme sobre Mário Soares, "algo falhou".

Mas então o que é que falhou, se é que algo falhou?

"Sabemos hoje que os programas de partidos, as promessas eleitorais, a igualdade dos cidadãos perante a lei, o parlamentarismo, enfim, todas essas tretas são armadilhas de uma imensa minoria que vive luxuosamente à custa de uma imensa maioria. O Estado democrático revelou-se tão arbitrário como qualquer outro, serve antes de mais nada para impor leis relativamente às quais se constitui excepção."

Estas palavras são de Zeca Afonso, pouco antes da sua morte, num tom de desalento premonitório relativamente ao rumo da democracia portuguesa após o 25 de Abril de 1974, em entrevista ao jornal Blitz no ano de 1986. Foi esse mesmo desencanto que o levou, em 1983, a recusar ser distinguido com a Ordem da Liberdade pelo então Presidente da República, Ramalho Eanes.

É, com toda a certeza, este sentimento de desencanto com o rumo da democracia portuguesa que vai levar muitos portugueses a 10 de março a votar em quem acham estar a denunciar abertamente os "podres" da democracia, contra aqueles que se apropriaram dos valores de Abril e que, de forma arrogante, se têm exibido como donos e senhores dos valores da liberdade e do progresso.

O poeta Manuel Alegre, no seu desabafo, falou meia verdade. Algo efectivamente falhou. Contudo, faltou ao poeta socialista a capacidade, e provavelmente a humildade, para assumir a enorme quota parte de responsabilidade que a esquerda tem no desencanto que grande parte dos portugueses tem nesta democracia e a desconfiança que nutre por uma esquerda que se acha proprietária exclusiva dos valores da liberdade e do progresso.

A forma como a esquerda tem radicalizado o seu discurso, rotulando impiedosamente de fascistas, retrógados e xenófobos tudo e todos que não partilham a sua visão da sociedade, tem obviamente contribuído para um sentimento geral que, afinal,  a liberdade não aconteceu com o 25 de Abril de 1974, e que continua a haver temas proibidos. Falar de imigração é ser racista, falar de identidade de género é ser machista ou homofóbico, falar de agricultura é ser negacionista das alterações climáticas. Passados 50 anos do 25 de Abril, a esquerda que se arroga como sendo a elite intelectual, progressista e libertária deste país tem afinal uma relação difícil com a liberdade. Os valores de Abril de 1974 só são válidos para quem partilha a visão de esquerda da sociedade.

Este registo da esquerda explica, e muito, o "algo que falhou" a que se referiu Manuel Alegre.

A esse propósito, relembro a minha experiência enquanto autarca na Assembleia de Freguesia de Avenidas Novas em Lisboa, nos anos de 2017 a 2021. A forma cega e unilateral como a Câmara Municipal de Lisboa, liderada por Fernando Medina, impôs sem contemplações o projecto das ciclovias nessa freguesia de Lisboa, suprimindo centenas de lugares de estacionamento com forte prejuízo dos residentes, sem promover qualquer esforço de explicar os benefícios da medida, ou de oferecer alternativas aos residentes, é um exemplo da forma como a esquerda impõe as suas ideias e políticas de forma autoritária, levando muitos a questionar a legitimidade daquela ao se arrogar a herdeira dos valores da revolução de Abril.

Perto do final do mandato, e face à aproximação das eleições, o socialista Fernando Medina promoveu uma iniciativa de esclarecimento da população da freguesia antes da supressão de mais 200 lugares de estacionamento na Avenida de Berna para implementação da ciclovia. Em pleno COVID, o pavilhão da EB nº 44 no bairro de Santos ao Rego encheu-se de residentes ávidos pela oportunidade de ouvir o vereador da mobilidade da C.M.L. e de manifestar a sua insatisfação perante o que se estava a passar. Numa sessão conturbada e controlada pelo executivo socialista da Junta de Freguesia, vários jovens activistas climáticos estrategicamente posicionados na audiência, e que nem sequer residiam naquela freguesia, intervieram, não hesitando em tentar abafar os residentes, apelidando as suas intervenções de fascistas, retrógadas e anti-progressistas.

Muito do falhanço do 25 de Abril de 1974 passa por esta convicção arrogante da esquerda de que é a titular da única visão justa do mundo, numa demonstração de que a pluralidade e a liberdade de opinião é algo com que lida mal. Uma das maneiras de preservar essa percepção é a tentativa activa de proibir a discussão crítica de certos temas, rotulando perjorativamente todos os que ousam opinar de forma diversa sobre os mesmos.

Cumprir os valores de Abril é descer do pedestal e aceitar que há outras visões democráticas de um mundo justo."

Pedro Proença-In Sábado

terça-feira, 13 de fevereiro de 2024

A República caiu à rua

Nem sempre concordo com o articulista, mas dou à estampa o pertinente artigo de opinião de Miguel Sousa Tavares que, desassombradamente, diz o que pensa a respeito da actual catadupa de greves:
"Pelo que tenho lido e ouvido, toda a gente — começando pelo Presidente da República, passando por todos os partidos e acabando em todos os comentadores — não tem dúvidas em apoiar a “justa” luta dos polícias. Eu devo ser então a excepção: não só não alcanço a justiça dela (fora o facto de ganharem pouco, como todos os portugueses), como não consigo ter qualquer simpatia por formas de luta que passam pela deserção em massa do cumprimento dos deveres através de expedientes que não são dignos de quem veste farda e vão até ameaças de boicotar a realização de eleições ou outras “acções desesperadas” — tudo depois, julgam eles, imunizado pelas cantorias do hino nacional, como se esses súbitos ataques colectivos de patriotismo, tal como os súbitos ataques colectivos de indisposições gástricas, os absolvessem da grosseira violação dos deveres do cargo. Há ocasiões em que sinto em mim um instinto anarquista, que desperta sempre que me vejo confrontado com os abusos ou o uso irracional da autoridade por parte da polícia (felizmente, devo dizer, ocasiões cada vez mais raras). Mas agora, vendo os homens armados a quem cabe vigiar pela nossa segurança em atitudes de rebelião pública contra a lei e o Estado de direito, constato, paradoxalmente, que estamos desarmados para restabelecer a ordem contra a anarquia de quem a devia manter. E pergunto-me que autoridade terão eles de futuro para imporem a ordem pública. Isto quanto à forma de luta. Mas, quanto aos seus fundamentos, à sua apregoada justiça, ainda não vi claramente justificadas as suas razões. Ao contrário do que foi dito por um dirigente sindical da PSP, não é verdade que os polícias “não tenham nada a perder, porque só ganham mil euros por mês”. Em 2023, um agente que entrasse para a PSP ganhava 1257 euros, a que acrescia 20% do tal subsídio de risco que agora querem ver equiparado aos da PJ, mais três coisas de que os inspectores da PJ não beneficiam: subsídio de turno, subsídio de patrulha e serviços gratificados voluntários (a espectáculos desportivos, concertos, vigia de embaixadas, visita do Papa, etc.). Quanto ao subsídio de risco, é de notar, primeiro, que estamos a falar de um dos países mais seguros do mundo, em que, em média, haverá um polícia a morrer em acções de rua durante um ano, e, depois, que, independentemente de saber em qual das actividades haverá maior risco, não é comparável nem o nível de habilitações exigido a um inspector da PJ — que tem de ser licenciado com um curso superior — nem o nível de missões desempenhado por ele ou por um agente da PSP, um guarda da GNR, um guarda prisional, um guarda-florestal ou um guarda-marinha: não é por todos saberem cantar o hino que todos devem ganhar o mesmo. Por outro lado, o aumento do valor do subsídio de risco para os inspectores da PJ é igual em todos os escalões da hierarquia, o que não acontece nas outras forças de segurança, e abrange 1200 efectivos, contra 43 mil das forças de polícia. O encargo permanente para o Estado andaria à roda de 500 milhões de euros por ano — um encargo que um Governo de gestão não pode assumir a um mês das eleições, mas que não custa nada a quem não espera vir a ser Governo apoiar entusiasticamente. Agora são os polícias, mas na rua já estão também os bombeiros: sempre que cheira a dinheiro a ganhar, estão lá os bombeiros, sapadores ou ditos voluntários. E também já lá estão os agricultores, de que a grande maioria, os pequenos agricultores, tem muitas e válidas razões de queixa, mas que só despertaram depois de verem os seus colegas europeus a cortarem estradas e que, não tendo pronto nem pensado um caderno de reivindicações adequado, foram atrás deles pelas más razões, e não pelas boas e próprias. Antes destes, tinham sido, e são ainda, os oficiais de justiça, cujas greves de zelo, que duram há mais de um ano, atrasam dramaticamente todos aqueles, particulares e empresas, que precisam que um serviço público essencial à economia e à vida das pessoas funcione em tempo útil. Antes ainda foram os professores, eternamente agarrados à reivindicação de verem reposta a totalidade do tempo não contado para efeitos de promoções durante a estada da troika: um ano de escola pública habitualmente sem aulas, com os correspondentes resultados demolidores nos índices de aprendizagem dos alunos que os estudos mostram. Tinham sido também os médicos e enfermeiros, cuja recusa a mais horas extraordinárias lançou o caos nos hospitais públicos e está apenas momentaneamente suspensa devido ao crédito de horas de 2024 ainda não estar esgotado. A República caiu à rua Ilustração Hugo Pinto E no horizonte perfilam-se já, outra vez, as ameaças dos camionistas, capazes de paralisarem todo um país onde a ferrovia é apenas um slogan e tudo se distribui por estrada. E rezem a todas as alminhas para que, atrás deles, não desperte também essa peculiar classe sindical dos estivadores. E, enfim, temos as Forças Armadas, que, por estatuto e dignidade profissional, estão aparentemente tranquilas, mas que serão quem mais razões de queixa tem. As nossas FA estão em vias de desaparecimento por falta de efectivos e incapacidade de os recrutar: é sintomático que, num anúncio de recrutamento, a Marinha, sem dizer quanto oferece aos candidatos, diga que lhes dá “alojamento”. É verdade, em minha opinião, que, se chegámos a esta situação, é porque gerações de chefes militares acharam mais importante investir em brinquedos de luxo do que investir em homens. Como escreveu um embaixador americano em Lisboa, os nossos chefes militares, em matéria de equipamento, só queriam do bom, do mais caro e o último grito. Vai-nos custar centenas, milhares de milhões, voltar a ter umas FA minimamente capazes de servir o país e as suas missões. Mas como elas não se manifestam nas ruas e satisfazer as suas reivindicações não dá votos... Estava o Governo a preparar-se para celebrar essa coisa estranha de um ano com superávit das contas públicas e a descida da dívida da República abaixo de 100% do PIB quando a dr.ª Lucília Gago resolveu derrubar o Governo e o incontinente Marcelo Rebelo de Sousa viu aí uma ocasião propícia para desestabilizar o país, desprezando uma maio­ria absoluta e escancarando as portas a todos os demagogos e a todos os que têm capacidade mobilizadora para lhes apresentarem uma factura a pagamento. Entre os primeiros, soltou-se logo Pedro Nuno Santos, esse grande gastador de dinheiros públicos, que a si próprio se define como pertencendo à mais perigosa categoria de políticos — os que erram mas fazem —, e, na sua esteira, todos os outros, pois que Marcelo nos chamou a eleições e concedeu um longo período para a demagogia à solta. E logo os partidos se dividiram em três categorias: os que esperam governar e prometem tudo e uma descida de impostos; os que não esperam governar e prometem ainda mais, mas com subida de impostos para os “ricos”, e o André Ventura, cuja demagogia já ultrapassou o patamar da pornografia e agora navega na área do nacional-socialismo, não por ideologia, mas por ignorância e absoluta falta de vergonha. Já do lado dos outros, dos que se põem a jeito para colherem os despojos deste festim ou de o exigirem nas ruas, caminhando e cantando o hino nacional, se repararem bem, verão que todos eles ou são funcionários do Estado ou vivem dependentes do Estado, dos seus apoios, dos seus favores, da sua dívida. E que todos tiram partido de actuarem em sectores essenciais à vida colectiva, mas onde o serviço público, que é a sua missão e o que se espera deles, é sempre estranhamente acompanhado de subsídios para fazerem o que é, afinal, o seu trabalho: os espiões do SIS têm um “subsídio de missão”, para compensar o “desgaste físico” de estarem sentados à secretária; os agentes da PSP, um subsídio de “patrulha”, por andarem nas ruas, ou de “turno”, por ficarem na esquadra, os militares, um “subsídio de guerra”, por fazerem missões no exte­rior, os bombeiros, por apagarem fogos, e por aí fora. Todos trabalham menos horas do que no privado, mas todos se declaram em burnout; quase todos se dizem “desmotivados”, mas nenhum se demite do seu emprego garantido para a vida. Acredito que a maioria seja bons trabalhadores e alguns deles excelentes, o problema é que qualquer tentativa para os classificar e remunerar pelo desempenho esbarra sempre na oposição de uma maioria que considera isso uma inaceitável discriminação. Cá fora, porém, vive uma maioria silenciosa de trabalhadores que não tem poder reivindicativo. Não fazem greves nem se autodiagnosticam com baixas às segundas e sextas ou vésperas de feriados; não têm promoções automáticas nem horários de 35 horas; preo­cupam-se com a situação financeira das empresas onde trabalham porque sabem que, ao contrário do patrão Estado, elas podem falir e eles ficarem no desemprego. Assistem, em silêncio, à desagregação da República e a reivindicações que, comparando com a sua situação, sentem muitas vezes como injustas e outras como representando uma conta que lhes caberá pagar, sem proveito próprio algum. Há quem lhes chame classe média, há quem lhes chame contribuintes, há quem lhes chame abstencionistas. Talvez um dia eles consigam também sair à rua, só para que se saiba que existem." In- Expresso de 09 de Fevereiro de 2024.

domingo, 4 de fevereiro de 2024

Revisitando a História

 


Fez agora 132 anos que rebentou no Porto a conhecida revolta de 31 de Janeiro de1891 com o objectivo de implantar a República:

Os republicanos de então tinham várias sensibilidades e ideias diferentes de como acabar com a Monarquia e substitui-la pelo regime republicano. Alguns republicanos eram mais radicais do que outros.

A revolta de 31 de Janeiro no Porto, também chamada "Revolta dos Sargentos" falhou e estes, pese embora a sua coragem, foram deixados à sua má sorte, por várias razões entre as quais avultava a intenção dos Republicanos de Lisboa secundarem os do Porto e proclamarem a República na capital.

Sabemos que implantação da República era inevitável, mais cedo ou mais tarde. Mas foi pena que a revolta do Porto tivesse falhado, porque se a sua implantação tivesse tido êxito, teria sido desnecessária a morte do Rei D. Carlos I (regicídio) e do príncipe, Real, Luís Filipe 17 anos mais tarde em Lisboa.

Quase todas as revoluções e mudanças de regime têm, ou acabam por ter, actos de bravura e até heróicos, mas também accões excessivas e condenáveis. O que seria fundamental é que os seus autores se apercebessem disso, para não irem mais longe do que o necessário.

Os mentores da implantação da República Portuguesa não escaparam a esse dilema.

 

sexta-feira, 15 de dezembro de 2023

Natal 2023

 


O Natal no meu tempo era diferente. Havia mais presépios e Jesus estava mais presente.

Hoje há a noção que entre Jesus e o Pai Natal existe uma evidente contradição.
Quantas vezes nós, crianças, à voz do pai ou mãe, à meia noite, com emoção, saltávamos da cama, ligeiros, a ver o que Jesus tinha deixado no sapatinho, um pequeno avião ou um carrinho de bombeiros.

O dinheiro não abundava, mas a felicidade chegava.

Hoje é o luxo do ter, mais que ser, ferindo aqueles que pouco ou nada têm para comer.
O sentido ecuménico e cristão é ofuscado pela exibição.

Muito consumismo e pouco cristianismo. Mas, mais importante do que isto é a mensagem de Jesus Cristo, o Alfa e o Ómega das nossas esperanças. Até porque Ele, segundo o poeta até nem "sabia nada de finanças".

Desejo um bom e feliz Natal a todos os leitores do Limonete.

sábado, 21 de outubro de 2023

Israel-Palestina: guerra sem fim

 



 
                                 (The Empire of David and Solomon-Mapa daquele tempo)

"Ao Mundo ou à espécie humana apenas deveria ser permitido uma guerra ou seja: a guerra contra a sua própria extinção ou invasão do seu país."

O ataque do Hamas a Israel no dia 7 de Outubro apanhou de surpresa os serviços secretos (Mossad) de Israel, inexplicavelmente, provocando centenas de mortos israelitas e outros tantos prisioneiros levados para Gaza que estão a ser utilizados como reféns para evitar a sua eminente invasão pelo exército de Israel.
Este atentado terrorista mereceu a condenação de quase todos os países do ocidente e reacendeu o conflito israelo-palestiniano de modo brutal. Uma das partes, Hamas, pretende a erradicação do Estado de Israel. Israel, eventualmente, pretende circunscrever ou acabar com bombardeamentos constantes os palestinianos que estão no gueto de Gaza em condições quase sub-humanas.

A divisão da Palestina em dois estados: um judeu e outro árabe aprovada pelas Nações Unidas (ONU) em 29 de Novembro de 1947 nunca foi aceite pelos países árabes continuando a ser um mito a sua concretização.
Todos os acordos de paz têm falhado e considerando os interesses antagónicos, difíceis de conciliar, onde sobressai o radicalismo do problema religioso de ambas as partes, é de prever que o conflito nunca venha a ter fim ou acabe por ter um desenlace de consequências imprevisíveis.

Pós texto: afinal o que quer o Hamas?


quarta-feira, 5 de julho de 2023

A ideologia do género

 


 

O tema é complicado e continua a ser polémico no seio das famílias e no Ensino de hoje, nomeadamente no básico.
Em primeiro lugar é preciso dizer que "a ideologia do género" nega que as diferenças entre homens e mulheres vêm de características naturais e biológicas", o que me parece um absurdo.

Acredito que as crianças devem ser ensinadas a respeitar e a valorizar o sexo com que nasceram e a sua anatomia. O que for além disso só conduz à confusão mental e ao desnorte da sua verdadeira identidade. Ora é precisamente aqui que me parece que a ideologia do género (ou seja lá isso o que for) é um embuste e quem a ensina está a falhar. 
 Como alguém já disse: "Tornar as escolas laboratórios de experiências é demasiado perigoso. As crianças não podem ser cobaias ideológicas". Claro que não. Mas fanáticos ideológicos não faltam por aí, alguns deles com assento nos areópagos do poder sediados na ONU que são inimigos da família tradicional.
 Não sei se alguém está a exceder o programa curricular. O que sei é que o que se ensina nas escolas sobre a ideologia do género não ajuda as crianças. Pelo contrário confunde a sua personalidade e pode ser o princípio da angústia de não saberem o que são.
  Alguém quer, com os custos psicológicos que isso implica e outros que se adivinham, que a juventude de hoje fique longe dos rapazes e raparigas do meu tempo, eles e elas orgulhosos da sua sexualidade e que seguiam o princípio: "mens sana in corpore sano" que deu ao país excelentes cidadãos. 
 
Os rapazes e as raparigas do meu tempo, só podem agradecer aos Professores que tiveram.

Nota:-Foto in Público.

domingo, 30 de abril de 2023

O Teatro da Política

 



O actual teatro da política mais parece uma ópera bufa com alguns actores com tendência congénita para a mentira e o burlesco. Os espectadores ficam incrédulos com tão maus espectáculos.
Tenham vergonha: saiam do palco e peçam para se arranjar gente séria e capaz de levar a  "Carta a Garcia".

terça-feira, 4 de abril de 2023

Das excitações de Abril



Todas as áreas políticas padecem de excitações diferentes ao aproximar-se a data do 25 de Abril:

-a esquerda comunista excita-se porque vê a vida mais que estragada e com razão;
-a esquerda democrática (PS?) excita-se porque se desviou dos ideais que jurou cumprir;
-a social-democracia (?) excita-se porque quer mudar a Constituição;
-a direita excita-se porque quer dar um rumo diferente ao País e Abril não deixa, apesar de tudo.

Necessitando este tema de um estudo mais aprofundado e para evitar mais excitações, vamos abordá-lo na perspectiva de alguns cidadãos, sobretudo daqueles que actuam como snipers na blogosfera local e não só. Nesta categoria temos os seguintes:

-os que continuam a olhar para Abril com esperança porque sabem que Abril não tem culpa da trampa que alguns políticos decidiram fazer;
-os que olham para Abril e julgam ver o diabo, mas sabem que é mentira e reconhecem que ainda não se adaptaram; sofrem de neurose, mas têm cura;
-os que olham para Abril e veem o diabo e estão mesmo convencidos disso; estão muito doentes (psicose); provavelmente não têm cura e podem tornar-se muito perigosos.

Não sendo eu psicólogo (alguém já pensou que sim) entendo que as excitações devem continuar, não sem deixar de dizer que quem não se excita ou não sente, ou está morto ou não é gente (passe a expressão)!...

PS: Este texto foi dado à estampa pela primeira vez em 18/04/2010. Creio que esta edição faz sentido não só porque porque Abril continua adiado, mas também, como disse Fernando Pessoa: "Senhor, falta cumprir-se Portugal".


sexta-feira, 31 de março de 2023

A incógnita do Poder Global

 

Rússia e China na senda do Poder Global

O objectivo dos mentores e senhores da guerra é a imposição de uma Nova Ordem Mundial com todas as consequências que se adivinham. Por isso não deixa de ser um absurdo pensar que com a Rússia autocrática que faz uma invasão a um país independente ao arrepio da carta das Nações e do direito internacional o mundo vá viver melhor ou em democracia. E se esse objectivo da Rússia de avançar com a China e países aliados e simpatizantes (quiçá com a Coreia do Norte) em direcção a uma “NOVA ORDEM MUNDIAL MULTIPOLAR, JUSTA E DEMOCRÁTICA." se concretizar, isso significa que o futuro da humanidade pode ser pior do que aquilo que se possa imaginar.

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2023

Raúl Brandão-biografia

 
 


Raúl Brandão, militar, escritor e jornalista:

"Se tivesse de recomeçar a vida, recomeçava-a com os mesmos erros e paixões. Não me arrependo, nunca me arrependi. Perdia outra tantas horas diante do que é eterno, embebido ainda neste sonho poluído. Não me habituo: não posso ver uma árvore sem espanto, e acabo desconhecendo a vida, titubeando como a comecei. Ignoro tudo, acho tudo esplêndido, até as coisas vulgares, extraio ternura de uma pedra."

Nota: Prefácio do 1º. volume das Memórias de Raúl Brandão.

"Frequentou o curso superior de Letras, mas ingressou na carreira militar. Colocado em Guimarães, retirou-se para a Casa do Alto, quinta próxima de Guimarães, local de produção da maior parte da sua obra literária, alternando o isolamento nortenho com estadias em Lisboa, onde desenvolveu paralelamente uma atividade jornalística, tendo colaborado em publicações como o Imparcial, Correio da Noite, Correio da Manhã e O Dia. Nestes últimos, é constante o seu debruçar sobre o terrível drama da condição humana, perpassado pelo sofrimento, a angústia, o mistério e a morte. São também constantes as referências aos ofendidos e humilhados, face visível da expressão humana que é um dos motivos mais regulares na sua obra."

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2023

Autopsicografia do professor português


Não sou professor, mas fui aluno e tive bons professores. Acredito que a classe docente é nuclear para a formação de bons cidadãos e futuros dirigentes do País. É inacreditável a actual situação dos professores e não compreendo porque é que o poder político destrata tanto a classe docente e a obriga a defender, pela via da greve, a dignidade e a melhoria da sua profissão. Daí porque dou à estampa  o artigo de opinião que se segue:

"O cansaço que nasce disto tudo não é metafísico nem poético, é um sintoma de exaustão que empurra os professores para um espaço fora de si mesmos. Os professores portugueses mereciam outro país.

Se quisermos compreender o estado de alma de um professor português de hoje, se alguém quiser analisar a sua autopsicografia, comece por ler o poema O que há em mim é sobretudo cansaço, de Álvaro de Campos, e encontrará aí o melhor retrato psicológico do professor português de hoje. “Um supremíssimo cansaço”, num dos versos do poema, é aquilo que sentem
os professores que nas últimas décadas se têm adaptado a todas as modificações que lhes impuseram na sua vida profissional. Agora rebentaram as águas do desespero, da exaustão de quem não aguenta mais as vicissitudes da sua profissão.

O professor português cumpriu tudo o que lhe pediram nas últimas décadas, a cada mudança curricular, a cada mudança do sistema de avaliação, a cada mudança dos processos de gestão escolar, a cada regra nova que chegou à sua escola quase diariamente. Foi calando, foi desabafando com os seus pares, porque a sociedade desistiu de o compreender, tentou pequenos protestos e nada resultou. Não me surpreende ver este reerguer de toda uma classe de forma espontânea, como se todos pertencessem ao mesmo partido da educação, que não existe, mas que devia existir, que não tem fronteiras políticas e que obedece apenas ao coração de cada um. Se na Crónica de D. João I, de Fernão Lopes, aprendemos como se constrói o sentimento colectivo do povo português pela consciência de que todos pertencemos a uma mesma nação ou comunidade, esta “arraia-miúda” de professores que agora veio para as ruas transporta o mesmo sentimento colectivo de uma nação de professores que não aceita mais a discriminação social e política.

Cada vez tenho menos argumentos para convencer jovens estudantes a optar por esta profissão. Como explicar-lhes que o Estado trata os professores de forma diferente: aos governantes que declarem residir fora de Lisboa dá-lhes ajudas de custo no valor do ordenado mínimo; aos médicos que queiram ir trabalhar longe de casa, a partir de 2024, através do programa “Mais médicos”, dá-lhe um aumento salarial de 40% e casa para morar; aos restantes funcionários públicos conta-lhes todo o tempo de serviço prestado, mas deixa os professores de fora nesta equação; na Madeira e nos Açores, os professores conseguiram recuperar faseadamente todo o tempo de serviço; no continente, os professores continuam à espera dessa recuperação, embora todos descontem por igual para a Caixa Geral de Aposentações; os técnicos superiores da função pública com doutoramento foram aumentados 400 euros, mas os muitos professores que hoje já têm doutoramento ficaram exactamente onde estão, com o mesmo dinheiro e sem uma justa progressão na carreira.

Como explicar ainda aos jovens aprendizes de professor que aquilo que têm de ensinar amanhã não é um currículo completo, mas apenas aprendizagens essenciais que nunca foram concebidas para serem currículo completo? Como explicar-lhes a lógica de um sistema de avaliação de aprendizagens que anula a função de um professor e o transforma num polícia de comportamentos que vai anotando em grelhas insanas cada estímulo recebido, sobrando tempo nenhum para o acto de ensinar, de pensar naquilo que se ensina e de ajudar a aprender verdadeiramente?

O cansaço que nasce disto tudo não é metafísico nem poético, é um sintoma de exaustão e descrença profissional que empurra os professores para um espaço fora de si mesmos: já não agem, apenas reagem; já não pensam no seu próprio discurso de aula, apenas informam; já não conseguem avaliar aprendizagens, apenas registam resultados visíveis.

 Em matéria de educação, os programas de todos os partidos portugueses são paupérrimos. Não há um plano estratégico a médio, longo prazo, tudo é pensado para o momento ou para o tempo de uma legislatura. Mudanças eficazes em educação exigem muito mais tempo de maturação e, sobretudo, visão estratégica. Se no início deste ano lectivo, em França, faltavam 4000 professores, o Presidente francês, Emmanuel Macron, prometeu que nenhum professor iniciaria a sua carreira profissional com salário inferior a 2000 euros e tentou assim atrair novos profissionais.

Nos EUA, o American Rescue Plan Act, de Joe Biden, representou em 2021 o maior investimento público de sempre em educação, com 170 biliões de dólares, focado sobretudo na contratação de mais professores e combate ao abandono escolar. A República da Irlanda, país da nossa dimensão, tem um orçamento de quase dez mil milhões de euros para a educação em 2023, dos quais dois mil milhões para contratar novos professores. Estes são breves exemplos de políticas com visão estratégica de quem quer realmente apostar na educação e nos professores.

Também começo a sentir “um supremíssimo cansaço” disto tudo. Em breve, terei de enfrentar, num único seminário, 150 novos candidatos a professor. Hei-de elogiar em primeiro lugar a sua coragem por estarem ali; hei-de encontrar o melhor discurso possível para lhes explicar a nobreza da profissão; serei realista ao descrever o local para onde irão trabalhar no futuro, não esconderei nenhuma vicissitude, apelarei ao melhor de cada um para que possam sobreviver a esta profissão e no final, se possível, que encontrem o prazer de ensinar. Só não sei quantos ficarão até ao fim do curso e quantos irão sobreviver ao primeiro impacto da vida real.

Ninguém acolhe um jovem professor numa terra estranha. Poucos sobrevivem com apenas 1000 euros líquidos para alimentação, alojamento e viagens e muitos têm de pedir ajuda aos pais para poderem trabalhar. Parecem condenados a sentir logo “um supremíssimo cansaço” assim que experimentam a profissão pela primeira vez.

O professor português não é um fingidor e sente todas as suas dores. Mais, tem de gerir as dores de todos à sua volta diariamente, substituindo tantas vezes aqueles que tinham a responsabilidade de cuidar dos afectos dos seus alunos. Hoje, tudo se pede a um professor, pede-se-lhe a responsabilidade total de educação de um jovem, embora seja pago apenas para ensinar, por isso, reconhecer que os professores estejam cansados, supremissimamente cansados, devia ser suficiente para reconhecer que o seu protesto de classe é justo. Os professores portugueses mereciam outro país."

Carlos Ceia- Professor Catedrático da FCSH da Universidade Nova de Lisboa